José Pastore
José Pastore é professor da FEA-USP, membro da Academia Paulista de Letras, e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.
Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro. 11/01/2025
A Conjuntura Econômica abriu 2025 tratando das perspectivas de mercado de trabalho com um dos maiores especialistas do tema no país: José Pastore. Confira os principais trechos dessa conversa, em que Pastore analisa questões que hoje dominam o debate – como redução de jornada, individualização do trabalho e perspectivas para o emprego para 2025 –, além de desafios estruturais e novos estudos que lidera sobre custos da insegurança jurídica na área trabalhista.
Depois de o Brasil registrar uma queda da taxa de desemprego medida pela PNAD-C a níveis históricos, como avalia que o mercado de trabalho evoluirá em 2025?
Entraremos 2025 com falta de mão de obra em vários setores, o que inclui pessoal qualificado e não qualificado. Na indústria de transformação, pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) indica que 55% das empresas estão com dificuldade para contratar pessoal qualificado – o que reflete a precariedade do nosso sistema educacional. Para esse setor, a questão de mão de obra já é crônica, e deve continuar. Estudos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) projetam uma falta de 500 mil profissionais qualificados para os próximos quatro anos.
Na construção civil e nos serviços de asseio e conservação, há falta de mão de obra não qualificada ou de baixa qualificação, apontando em grande parte à concorrência de programas sociais. As construtoras tentam atrair os que vivem de Bolsa Família, com pouco êxito, mesmo oferecendo salários na faixa de R$ 2 mil. Os beneficiários temem perder o benefício se começarem a trabalhar, muitos inclusive só aceitam trabalhar em base informal. Com isso, observamos os salários crescerem em torno de 5% em 2024 em relação a 2023, e devem iniciar 2025 na mesma faixa.
Penso que o corte de gastos do governo, a disparada da inflação e o aumento dos juros, em conjunto, devem arrefecer o superaquecimento de consumo registrado em 2024, mas não vejo uma explosão de desemprego. Muitos projetos iniciados em 2024 terão continuidade em 2025. É o caso das construções de moradias estimuladas pela ampliação do Programa Minha Casa Minha Vida. Da mesma forma, com dólar alto e boas perspectivas de exportações de minérios e alimentos, esses setores continuarão gerando empregos indiretos no comércio e serviços, como sempre fizeram. Também há a tendência de os programas sociais continuarem animando o consumo, principalmente no Nor deste e no Norte, regiões onde há estados em que a renda de Bolsa Família chega a superar a do trabalho.
A queda de poder de compra das classes média e baixa, afetando segmentos como alimentação fora de casa, serviços pessoais, viagens de turismo e entretenimento, deverão colaborar para um esfriamento na contratação de pessoal em 2025. Já há sinais de perda de força do emprego formal, mas, como mencionei, isso não mudou o quadro favorável de 2024 e não deve mudar o início de 2025. Ainda há boa chance de o Brasil gerar em torno de 1,5 milhão de novos postos de trabalho formal no ano que vem e ter uma taxa de desemprego em torno de 7% – o que não será nenhum desastre.
Qual seu cenário para o médio prazo?
Aqui as coisas mudam, e são muito preocupantes. Temos três graves problemas pela frente. O primeiro é a anemia dos investimentos. Para gerar empregos em grande quantidade e de boa qualidade, o Brasil teria de investir cerca de 25% do PIB anos a fio. O segundo é a baixa qualidade da educação e limitada capacidade de qualificação e requalificação para acompanhar a modernização tecnológica de todos os setores da economia. O terceiro, por sua vez, é de ordem institucional. Temos um quadro muito perverso para a geração de empregos formais. O Brasil tributa demais o fator trabalho – com encargos sociais que ultrapassam 100%. Além disso, temos uma legislaçã ;o trabalhista e um sistema de resolução de conflitos muito complexos, que geram uma enorme insegurança aos agentes econômicos. Afinal, boas instituições contam muito para a geração de empregos de boa qualidade e para o próprio crescimento econômico.
A reforma trabalhista não contribuiu para amenizar parte desses limitadores?
A reforma foi importante porque valorizou a negociação individual e coletiva. Ela definiu 15 direitos (art. 611-A) que podem ser negociados e 30 (art. 611-B) que não podem ser negociados. Dentre os primeiros estão itens importantes como jornada de trabalho, banco de horas, intervalo para refeição e outros. É um sistema engenhoso: para quem quiser negociar, o negociado prevalece sobre o legislado; para quem não quer negociar, prevalecem os direitos da CLT, além dos 30 direitos que são constitucionais e inegociáveis. Ou seja, combinou-se liberdade com segurança, flexibilidade com proteção.
O problema é que muitos juízes não concordam com esse sistema, apesar de ser legal e de o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) ter sancionado praticamente toda a reforma trabalhista. Por isso, muitas sentenças judiciais contrariam as leis da reforma trabalhista e da terceirização sob os mais variados argumentos. Sentenças inesperadas e voluntaristas geram despesas inesperadas e desnorteiam os agentes econômicos, afetando, inclusive, a sua intenção de investir. É o chamado ativismo judicial.
Por exemplo, muitos juízes anulam a contratação de empresas que prestam serviços nas atividades-fim das contratantes. Isso foi explicitamente aprovado pelas Leis no 13.429 (da terceirização) e no 13.467 (da reforma trabalhista), ambas de 2017. Outros anulam acordos legalmente negociados entre empregados e empregadores (com participação de sindicatos) que tratam, por exemplo, do banco de horas. Condutas desse tipo passam sinais trocados aos agentes econômicos. São desincentivos. Elas desvirtuam as boas regras aprovadas pelo Congresso Nacional.
Em reunião com pesquisadores do FGV/IBRE, o senhor mencionou que as sentenças que contrariam a reforma trabalhista também resultam em impacto fiscal. Poderia exemplificar?
Sim. Além de afetar os investimentos e o crescimento, muitas delas afetam o próprio equilíbrio fiscal do governo. Em estudo recente, eu e um grupo de pesquisadores buscamos investigar o custo da insegurança jurídica na área trabalhista, da imprevisibilidade de sentenças voluntaristas. Nesse projeto-piloto, tomamos dez estudos de caso, verificamos qual o afastamento da sentença em relação à lei – que é o que caracteriza a insegurança jurídica – e identificamos o valor da sentença média. Logo, pesquisamos no site Data Lawyer quantas ações daquele tipo estão correndo na Justiça do Trabalho. Com esse número, fizemos uma estimativa, partindo da probabilidade de condenação.
Dou um exemplo. A reforma trabalhista impôs obrigatoriedade de pagamento de custas judiciais e honorários advocatícios à parte perdedora das ações trabalhistas – como ocorre na Justiça Civil. Mas o Tribunal Superior do Trabalho decidiu conceder gratuidade generalizada a todos os que se declaram pobres. Isso fez explodir novamente o número de ações trabalhistas – hoje são mais de 5 milhões em curso –, o que sobrecarrega o Poder Judiciário e gera mais despesas. Nesse caso, inteiramente bancadas pelo Erário, agravando o déficit.
Em nosso estudo, identificamos que entre 2019 e 2024 foram encontrados 636 mil processos pedindo gratuidade da prestação jurisdicional. Destes, os juízes concederam a gratuidade a 486 mil ações, na maioria com base em mera autodeclaração da parte. O valor médio dessas ações foi de cerca de R$ 116 mil, o que deu um total de mais de R$ 56 bilhões. Utilizando-se, de modo conservador, 2% de custas, o total de despesas judiciais chegou a R$ 1,13 bilhão, sem contar o efeito indireto da disparada de mais ações trabalhistas. Essas despesas tiveram de ser bancadas pelo Erário, pois, assim como não existe almoço grátis, não existe Justiça gratuita. Algu&eac ute;m paga.
Qual sua avaliação sobre a proposta de jornada 4×3? É um momento adequado para esse debate?
Os motivos para redução de jornada são todos meritórios – melhoria da saúde do trabalhador, melhor convívio com a família e aumento do tempo livre para requalificação são alguns deles. Mas é preciso saber qual é a viabilidade econômica de uma jornada 4×3 como propõe a PEC. No Brasil, se você liberar três dias por semana durante 48 semanas, somar a isso mais 30 dias de férias, 14 feriados nacionais, entre outros municipais e estaduais, chegaremos a quase 200 dias não trabalhados e remunerados. Se colocar as despesas referentes ao abono salarial, equivalentes a dez dias, o total ultrapassa os 200 dias. É o sonho de todo político populista, mas me parece demasiado. Em nenhum país as pessoas recebem mais para descansar do que para trabalhar.
Há estudo do próprio FGV IBRE que aponta um alto impacto para o PIB (o trabalho referido é do pesquisador Daniel Duque e indica que essa mudança pode ter um impacto que varia de 2,1% do PIB – considerando aumento de produtividade e sem perda de emprego – a 8,12% do PIB, no caso de não ter ganho de produtividade e haver demissões em função de aumento de custo). Uma redução tão drástica como essa – 36 horas por semana em 4 dias de trabalho – pode gerar muita quebradeira de pequenas e médias empresas.
Veja, países que reduziram jornada de trabalho o fizeram junto com ganhos de produtividade. Tomemos como exemplo o caso da Alemanha. Lá, a jornada legal ainda é de 48 horas por semana, mas a jornada efetivamente praticada está em torno de 34 horas. Essa redução é feita de forma negociada, pari passu com ganhos de produtividade, mantendo o mesmo custo unitário. No Brasil, a produtividade é baixíssima, e não há perspectiva de aumentá-la de modo abrupto e imediato. Teremos dificuldade para seguir esse mesmo modelo.
No caso da França, que em 1998 reduziu a jornada legal para 35 horas semanais, hoje, ironicamente, a jornada praticada é maior do que a legal, por exigências das condições de trabalho das empresas e dos trabalhadores. As partes negociam aumentos de jornada, mediante o pagamento de hora extra. Outros países mantêm a jornada legal alta, como aqui na América Latina, onde a maioria tem 48 horas por semana. No Brasil são 44 horas, mas a média da jornada praticada está em 38,5 horas. No setor bancário, por exemplo, parte dos empregados faz 30 horas por semana. Mas é o único caso em que você tem uma legislação específica de jornada pequena. Ademais, é um setor de alta produtividade e que opera com quase todo pessoal com educação de nível superior.
Como ampliar a qualidade do emprego ofertado no Brasil?
Como mencionei ao analisar o panorama do emprego no Brasil no médio prazo, precisamos de investimentos sofisticados, que gerem empregos de boa qualidade, bem como investimentos em educação para melhorar a qualidade do ensino e a qualificação dos trabalhadores. Isso não dá para fazer do dia pra noite, porque está ligado à nossa história, nossos inícios como colônia produtora de cana-de-açúcar, café e minério. Até hoje, dois terços das nossas exportações estão nisso, assim como dois terços de nossa força de trabalho no Brasil são formados por atividades muito simples – o balconista, o garçom, o entregador, a e mpregada doméstica –, que exigem pouca qualificação, são mal remuneradas e em que há muita informalidade. Mantendo o exemplo da Alemanha, lá essa proporção é o oposto – dois terços das exportações são de alta tecnologia e dois terços da força de trabalho estão em atividades qualificadas. Isso também está relacionado à história deles e não aconteceu do dia para a noite. Seria bom se a gente pudesse mudar esse cenário em uma ou duas décadas, mas vai demorar mais. Como disse, partirá de uma coisa fundamental, que é atrair o investimento sofisticado, e para que isso aconteça, é preciso garantir um ambiente adequado, qualificar pessoal e equilibrar as contas públicas, entre outros fatores que vocês do FGV IBRE estudam muito bem.
A íntegra da entrevista com José Pastore estará disponível na edição de janeiro de 2025 da revista Conjuntura Econômica.