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A CONSTITUIÇÃO DE 1988 NA VISÃO DE ROBERTO CAMPOS

Ney Prado

Minha admiração pelos méritos de Roberto Campos vem de muito tempo.

Tive o privilegio de conhecê-lo pessoalmente em situação inesperada. Foi quando a Universidade Estácio de Sá resolveu mercantilizar, em larga escala, vídeo aulas sobre assuntos atuais, protagonizado por Roberto Campos, então chanceler da referida Universidade.

Surpreendi-me quando dele recebi o convite, juntamente com Donald Stuart, fundador do Instituto Liberal, para compor o trio de palestrantes.

Aproximamo-nos, pessoal e intelectualmente, no período pré, durante e pós os trabalhos constituintes de 1988.

Para atender o propósito do tema, julgo importante mencionar frases extraídas de algumas de suas obras que retratam, embora sucintamente, sua visão sobre a Constituição de 1988:

“O problema brasileiro nunca foi fabricar constituições; sempre foi cumpri-las. Já demonstramos à saciedade, ao longo de nossa historia, suficiente talento juridicista – pois que produzimos sete constituições, três outorgadas e quatro votadas – e suficiente indisciplina para descumpri-las rigorosamente todas!”

“A Constituição brasileira de 1988, triste imitação da Constituição portuguesa de 1976, oriunda da Revolução dos Cravos, levou ao paroxismo e mania das Constituições dirigentes ou intervencionistas. Esse tipo de Constituição, que se popularizou na Europa após a Carta Alemã de Weimar de 1919, representou, para usar a feliz expressão do professor Paulo Mercadante, um avanço do retrocesso”.

“Nossa Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa de efêmero; é, ao mesmo tempo, um hino á preguiça e uma coleção de anedotas; é saudavelmente libertaria no político, cruelmente liberticída no econômico, comoventemente utópica no social; é um camelo desenhado por um grupo de constituintes que sonhavam parir uma gazela…”.

“No texto constitucional, muito do que é novo não é factível; e muito do que é factível não é novo”.

“Da ordem social – exibem-se duas características fundamentais do socialismo: despotismo e utopia”.

“Exemplos de despotismos são os dispositivos relativos à educação e á previdência social. Quanto á educação, diz-se que ela é dever do Estado, com a colaboração da sociedade. É o contrario. Ela é dever da família, com a colaboração do Estado”.

“Outro exemplo de despotismo é a previdência estatal compulsória. Todos devem ser obrigados a filiar-se a algum sistema previdenciário, para não se tornarem intencionalmente gigolôs do Estado”.

“Na ordem econômica, nem é bom falar. Discrimina contra investimentos estrangeiros, marginalizando o Brasil na atração de capitais. Na Constituição de 1988, a lógica econômica entrou em férias”.

“A cultura antiempresarial subestima a importância fundamental do empresário na criação de riquezas. Para os constituintes, o trabalhador é um mártir; o empresário um ser anti-social, que tem de ser humanizado por imposição dos legisladores; o investidor estrangeiro, um inimigo disfarçado. Nada mais apropriado para distribuir a pobreza e desestimular a criação de riqueza. A Constituição promete solução indolor para a pobreza”.

“É difícil exagerar os malefícios desse misto de regulamentação trabalhista e dicionário de utopias em que se transformou nossa Carta Magna. Na Constituição, promete-nos uma seguridade social sueca com recursos moçambicanos. Esse país ideal é aquele onde é mais fácil divorciar-se de uma mulher do que despedir um empregado”.

“No plano político, há o hibrismo entre presidencialismo e parlamentarismo. No plano congressual, levou a um anárquico multipartidarismo”.

“Aos dois clássicos sistemas de governo – o presidencialista e o parlamentarista – o Brasil acaba, com originalidade, de acrescentar mais um – o promiscuísta”.

“A Constituição dos miseráveis, como diz o Dr. Ulysses, é uma favela jurídica onde os três poderes viverão em desconfortável promiscuidade”.

“Os estudiosos do Direito Constitucional aqui e alhures não buscarão no novo texto lições sobre a arquitetura institucional, sistema de governo ou balanço de poderes. Em compensação, encontrarão abundante material anedótico”.

“Aliás, a preocupação dos Constituintes não foi facilitar a criação de novos empregos e sim garantir mais direitos para os já empregados”.

“O modelo monopolista sindical que temos é fascista. Conseguimos combinar resíduos de corporativismo fascista com o mercantilismo colonial, e acabamos reduzidos à condição de súditos, não de cidadãos”.

“A palavra produtividade só aparece uma vez no texto constitucional; as palavras usuário e eficiência figuram duas vezes; fala-se em garantias, 44 vezes, em direito, 76 vezes, enquanto a palavra deveres é mencionada apenas quatro vezes”.

“Segundo a Constituição, os impostos são certos, mas há duvidas quanto á morte, pois o texto garante aos idosos o direito á vida”.

“Diz-se também que a saúde é direito de todos. Os idosos, como eu, sabem que se trata de um capricho do Criador…”.

“Que constituição no mundo tabela juros, oficializa o calote, garante imortalidade aos idosos, nacionaliza a doença e dá ao jovem de dezesseis anos, ao mesmo tempo, o direito de votar e de ficar impune nos crimes eleitorais? Nosso titulo de originalidade será criarmos uma nova teoria constitucional: a do progressismo arcaico”.

“Essas rápidas pinceladas talvez nos deixem realmente convencidos de que o país tem pendente uma questão de urgência urgentíssima: reformar a Constituição e retirar o país do claustro, a fim de que os brasileiros respirem os ares do novo mundo em gestação”.

Em conclusão, gostaria de enfatizar a minha plena identidade com o pensamento liberal de Roberto Campos pelos seus incontáveis méritos, de forma e conteúdo. Acrescento, todavia: “Nossa Constituição possui reconhecidamente vícios e virtudes. Mas, necessária ou não, progressista ou retrograda, boa ou má, bem-vinda ou não, estamos diante de um dado de fato inarredável, qualquer que seja a avaliação de seu conteúdo e a inclinação política do interprete”.

Fonte: http://www.editorajc.com.br/constituicao-de-1988-na-visao-de-roberto-campos/